* Namoro, liberdade e responsabilidade a caminho do amor. E o “Ficar”?

27-02-2011 10:45

 Esse artigo põe abaixo a atual concepção utilatarista do “ficar”, tão comum entre tantos jovens hoje.

O “Ficar” , que tanto deforma o namoro e o fixa no encontro fortuito, efêmero, onde o outro é apenas uma coisa a ser desfrutada e usada.

Algo descártavel.

Nem mesmo o consenso entre os jovens que “ficam”é capaz de legitimá-lo à luz da responsabilidade e da saudável busca de um “outro”, algo que somente o “velho e tradicional” namoro oferece.

Os jovens pensam que ganham experiência afetiva no “ficar”. Pelo contrário, é uma “escola” que deforma- ainda na juventude-  o primeiro passo no rumo do amor humano autêntico.

Amor que se inicia pelo respeito do mistério do outro e pelo compromisso assumido com ele, honrado dia a dia no namoro, saudável e essencial para quem é chamado ao matrimônio.

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A Sexualidade na sua dimensão individual, isto é, como modalidade de expressão do eu nas suas duas versões, masculina e feminina, tem na temperança a reguladora de todas as faculdades humanas e no pudor o guardião de todas as riquezas pessoais.

A verdadeira liberdade é a capacidade de escolher por si mesmo, voluntariamente, o bem, para tender à plena auto-realização no ordenamento harmonioso de todas as faculdades. O  ser humano não é uma mônada fechada em si mesma, e, por isso, passamos à sexualidade na sua dimensão relacional: não mais o eu sozinho, portanto, mas o eu que se abre e se relaciona com um você, numa recíproca e harmônica complementação do ser individual, chegando assim ao casal.

Mas, vamos além.

Uma vez que há um você, salta aos olhos mais facilmente a existência de uma responsabilidade, no sentido etimológico do termo: isto é, como capacidade de responder por si mesmo, pelas próprias escolhas e pelas próprias ações diante dos outros.

De fato, justamente o uso da liberdade, entendida capacidade de fazer escolhas autônomas, leva consigo o exercício da responsabilidade: posso responder em primeira pessoa só por aquelas escolhas que fiz por mim mesmo, voluntariamente, e, por isso, livres, ao passo que não posso responder pelas escolhas não livres, isto é, efetuadas sob algum tipo de constrição não dependente de mim.

Por tudo o que foi dito, é claro que o uso correto da liberdade – daquela que chamamos a verdadeira liberdade – só se realiza quando se escolhe fazer o bem, por maior que seja a fadiga que este pode comportar; pelo contrário, escolher voluntária e conscientemente o mal equivale a um uso ruim da liberdade e, por isso, a uma falsa liberdade, que não leva à realização pessoal, mas sim a uma auto-limitação, se não mesmo à autodestruição.

Desse modo, uma vez que o ser humano não é só identidade – um eu – mas também relação – um euque se abre a um você – a auto-realização nunca é um fato exclusivamente individual e egocêntrico; ao contrário, a sua realização passa justamente pela do outro. Mas, para chegar a este objetivo deveremos finalmente começar a falar não de um casal qualquer, mas de um casal que se ama.

Agora.. Existe o amor?

É talvez a pergunta mais radical e imperiosa que se possa fazer, porque, no fundo, todos os problemas da humanidade são problemas de amor.

De fato, não há ser humano que não sinta a urgência profunda de ser amado. Sonha-se com o amor, persegue-se o amor, agarra-se o amor, até mesmo se rouba o amor, ou então se doa o amor… Bem ou mal orientado, sacralizado ou profanado, é, de todos os modos, a mola propulsora do nosso agir, o fim ao qual, consciente ou inconscientemente, todos tendemos.

Temos uma sede infinita de amor; mas esta não é uma prerrogativa só humana. O amor é igualmente evidente nos animais, ao ponto de não ser necessário destacá-lo aqui; pode ser entrevisto mesmo nas plantas, se se observa com quanto cuidado as sementes são guardadas dentro dos frutos até chegarem à maturação, e de quantos modos diversos são, depois, dispersadas para longe, a fim de que as novas plantinhas possam encontrar ar, luz, espaço e nutrimento suficientes para poder viver.

E há, por fim, quem tem crido ser possível avistá-lo até mesmo na matéria inanimada: de fato, se não é amor, o que é aquela força atrativa gravitacional que liga o planeta à sua estrela, que o faz orbitar em torno dela, fazendo dela o seu baricentro, o centro indiscutível de todo o seu ininterrupto movimento? Não é, talvez, o amor a força que atrai irresistivelmente em direção ao outro, que faz do outro o centro de toda uma vida? Sim, existe o amor.

Mas, então, o que é este amor pelo ser humano? É uma aventura a ser vivida? Um direito a ser reivindicado? Ou é uma capacidade a ser educada, um caminho a ser construído? E, assim, o que quer dizer amar?

O AMOR: UM CAMINHO A SER CONSTRUÍDO

Todo ser humano nasce de um ato de amor dos seus pais: “dois que se fazem um para se tornarem três”. Aqui a matemática não conta; aqui só há o mistério do acender-se de uma nova vida, que a pesquisa biológica jamais poderá desnudar inteiramente, em todas as suas dimensões.

Vejamos agora esse pequeno ser no progressivo desenvolvimento das suas capacidades.

De repente, a criancinha, juntamente com uma necessidade ilimitada e desejosa de ternura, manifesta a sua incipiente capacidade de amar. Mas é um amor principiante, totalmente infantil, “instrumental”. Necessitada de tudo, dependente dos outros para tudo, vive um amor totalmente egocêntrico, que olha para os outros como se estes fossem um instrumento imprescindível para a sua própria sobrevivência. É o primeiro estágio da capacidade de amar, plenamente fisiológico na criança.

Infelizmente, algumas vezes toda a capacidade pessoal de amar se imobiliza nesse nível. Os estupros e a pornografia têm exatamente esta raiz: o uso do outro para a própria satisfação. Aqui não há um você: só há um objeto de consumo, sem rosto e sem nome…

Mas, sigamos o crescimento do garoto, que chega às fronteiras da adolescência; ou melhor: será mais conveniente seguirmos aqui o crescimento da garota, porque a evolução da psicologia feminina é – sob este ponto de vista – extremamente mais significativa que a da masculina. Ao garoto – sempre mais imediato, simples e direto – basta normalmente uma bola para resolver os seus problemas de comunicação e para descarregar a sua agressividade. A garota, por sua vez, vive os mesmos problemas de modo muitíssimo mais profundo e envolvente, evidenciando de maneira mais patente as várias etapas da capacidade de amar, que, nesse ínterim, deu um passo à frente. De fato, aqui surge a amiga do coração – o alter ego – e, com ela, desponta o ciúme: “se você é minha amiga, não pode ser amiga dela”… É o amor “de posse”, bem expresso na frase “você é minha”, normalíssima a essa idade.

Mas, mesmo nesse estágio pode-se bloquear a capacidade de amar. “Você é meu”: começa, portanto, a existir um você, mas ainda somente e sempre em função de si mesma; o baricentro é, ainda, o eu, e o outro é visto só como parte de si, com toda a carga de temor pelo medo de perdê-lo, de obsessão, de ciúme e, em última análise, de falta de autêntico respeito. Um amor assim está destinado a apagar-se por auto-asfixia.

Na adolescência, vêm outros estágios do amor, com conotações diversas, mas sempre, ainda, egocêntricas. Assim, o amor “de gratidão”, relativo à necessidade de sentir-se admirada. O outro existe, mas não importa quem verdadeiramente é; basta que confirme o eu no seu ser e no seu ser atraente.

Se a capacidade de amar se bloqueasse neste estágio, passar-se-ia, com a máxima desenvoltura, de um admirador a outro, semeando cadáveres, já que o eu imperante exige sempre novas confirmações… Assim, o amor “de conquista”, sem dúvida mais protagonista ativo que o precedente e mais atento ao verdadeiro você do outro, mas, em todo caso, incapaz de aceitar os seus inevitáveis defeitos. Não sendo ainda capaz de trabalhar a si mesmo, ao aflorarem as primeiras dificuldades de integração, pretende que seja só o outro a ter que mudar. É talvez este o estágio em que a capacidade de amar é mais freqüentemente bloqueada e, por conseguinte, a causa principal do fracasso de tantos casais. Ilude-se com a idéia de que as coisas iriam melhor com uma mudança de companheiro… e também aqui semeiam-se cadáveres.

A adolescência já chega ao fim, com todas as suas dores, e o caminho desemboca na idade adulta, em que a capacidade de amar encontra a sua plena expressão no amor “de doação”. É o amor que sabe dizer “eu sou sua”. É a reviravolta total do eu, que se faz dom ao outro, porque já sabe viver em função do outro. É o amor maduro, sereno e forte que sabe trabalhar a si mesmo para integrar-se plenamente ao outro. É o amor fiel, que aceita o outro tal como é e o ajuda no seu caminho de realização.

Só sobre um amor assim é que se pode fundar algo de estável e duradouro, na consciência que esta doação se renova a cada dia, mas que a cada dia cresce um pouco.

Sim, existe o amor, portanto; mas existe na medida em que cada um se empenhe, passo a passo, por construí-lo generosamente na própria vida.

Leda Galli Fiorillo
Professora de biologia e especialista em Bioética


fonte comunidade shalom