Globo e Record reagem à nota da CNBB.
Em resposta à nota da Confederência Nacional os Bispos do Brasil, que condena a realização dos programas do tipo Big Brother Brasil, da Rede Globo, e A Fazenda, da Rede Record, as duas emissoras explicaram-se assim:
Leia nota da Rede Globo:
A Rede Globo é uma emissora laica, com uma visão de cultura e mesmo de comportamento social e moral que não segue preceitos religiosos. Temos tradição de estar, no campo institucional, ao lado da maioria das causas da CNBB. No que nos refere, somos gratos pelo reconhecimento do papel positivo que a televisão aberta e privada desempenha no Brasil e concordamos que cabe aos pais selecionar o que seus filhos devem assistir – como tudo que pode influenciar na formação dos jovens.
O telespectador é o mesmo cidadão-eleitor que, a cada momento, tem plena liberdade de decidir o que é melhor para si e sua família.
Leia nota da Rede Record: A Rede Record considera que a nota da CNBB não faz referência a nenhum dos programas do tipo reality shows produzidos em nossa emissora.
O programa A Fazenda convida os participantes a atividades relacionadas ao Campo e à natureza, promove a vida no Campo, Ídolos procura novos intérpretes, Aprendiz oferece oportunidades de trabalho, Troca de Família relata experiências de convivência de estilos de vida diferentes e Extreme Make Over Social acompanha a construção de creches. Todos são programas que respeitam os participantes e os telespectadores, inclusive, alguns deles, tem classificação indicativa que permite a exibição em qualquer horário do dia.
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Comentário do Jornalista Reinaldo Azevedo às notas.
Nota da Globo é arrogante e cria falsa oposição entre religiosidade e laicismo.
Huuummm… Tudo certo e nada no lugar.
Começo pelo óbvio porque muitas vezes evidenciado aqui. Sou contra qualquer forma de controle ou censura. No meu mundo ideal, a radiodifusão nem mesmo seria uma concessão, mas haveria impedimentos até técnicos para que pudesse ser assim. Todos sabem a energia com que combati e combato os vigaristas que querem o “controle social da mídia”. Aliás, eles querem é controlar a Globo, o resto é conversa mole.
Mais de uma vez fui acusado pelos petralhas de puxar o saco da emissora. Não! Eu puxo é o saco da Constituição e das liberdades públicas e individuais. Mas a nota da Globo é péssima, pautada por um certo laicismo um tanto beligerante e arrogante.
O texto incide num laicismo obscurantista — e autoritário — ao afirmar que o “outro” é incapaz de compreender “uma visão de cultura e mesmo de comportamento social e moral que não segue preceitos religiosos.” Uma das campanhas institucionais da emissora, que está no ar, chama a atenção para o merchandising social de suas novelas. Logo, acredita-se que ele tenha um papel educativo, que é capaz de influenciar positivamente o comportamento da sociedade.
Uma das boas sacadas do filme “Truman Show”, de Peter Weir, é demonstrar que um reality show obedece a um roteiro. Naquele caso, à diferença do Big Brother, o rapaz ignora que está sendo filmado. Nem por isso, é menos “dirigido”. Nos reality shows que conhecemos, “atores” e “diretores” têm um pacto inicial. Depois começa o jogo sem regras dos roteiristas.
Não estou entre aqueles que entortam o nariz para o Big Brother, acreditando que nada de útil se tira dali. As “personagens” construídas pelos editores do programa — que não são as pessoas — que caem no gosto do público dizem um tanto do Brasil. Com alguma boa-vontade, até a disposição dos frios na geladeira da padaria rende um tratado sociológico. Mas a coisa tem a importância que tem: entretenimento.
Se o merchandising social do bem interfere no comportamento das pessoas, por que seria de se supor que o “do mal” é inócuo? As bebedeiras promovidas pelas festas do BBB não me parecem inadequadas apenas às almas católicas. Se até o cigarro foi banido das novelas, não vejo por que o porre, muitas vezes associado a “personagens” simpáticas, devam ser promovidos nesta “novela da (suposta) vida real”. A razão de ser do BBB é, como diz Pedro Bial, “espiar” e, obviamente, participar por meio do voto — “este sai, aquele fica —, o que, desde logo, atrai a atenção de crianças e adolescentes.
Cumpre aos pais regular o acesso de suas crianças à TV? Sim, eu estou entre os que acreditam nisso, o que não justifica que as emissoras se comportem mais ou menos assim:“Vigiem seus rebentos porque nós estamos por aqui…”. Isso nada tem a ver com religiosidade ou laicismo. Essa contradição, nesse caso, é falsa.
A nota também incide numa tolice ao apelar ao cidadão-eleitor. Livre para votar, ele também é livre, infere-se, para escolher o quer ver ou não na TV. Perfeito! Ocorre que a liberdade do eleitor não torna os políticos e a política imunes à crítica; o mesmo vale para um programa de televisão, certo? Mais: quando os cidadãos-eleitores reagem contra os maus políticos, ninguém lhes diz: “Ah, isso só acontece porque vocês são religiosos”. Cumpre, pois — e o paralelo foi escolhido pela emissora, não por mim — não apelar a esse expediente quando se reage à promoção do mau exemplo na televisão.
Record
Nunca assisti a nenhum programa da TV Record desde que ela foi comprada pelo autoproclamado “bispo” Edir Macedo. No máximo, vi coisas na Internet enviadas pelos leitores. A emissora também divulgou uma nota, a saber:
“A Rede Record considera que a nota da CNBB não faz referência a nenhum dos programas do tipo reality shows produzidos em nossa emissora.
O programa A Fazenda convida os participantes a atividades relacionadas ao Campo e à natureza, promove a vida no Campo, Ídolos procura novos intérpretes, Aprendiz oferece oportunidades de trabalho, Troca de Família relata experiências de convivência de estilos de vida diferentes e Extreme Make Over Social acompanha a construção de creches. Todos são programas que respeitam os participantes e os telespectadores, inclusive, alguns deles, tem classificação indicativa que permite a exibição em qualquer horário do dia.”
Se você conseguiu sobreviver à pontuação, inclusive àquela virgula entre o sujeito e seu verbo — “alguns deles, tem” —, então entendeu que a Record só espanca a língua portuguesa, não os costumes, o que, obviamente, deve ser parcialmente falso…
Por Reinaldo Azevedo